Edifício para nova sede do ICA, ONG de incentivo à criança e ao adolescente através de educação e arte, e revitalização da Praça Comandante José Antônio Moreno em Mogi Mirim – SP
Sobre o ICA
O ICA – Instituição de Incentivo à Criança e ao Adolescente de Mogi Mirim é uma organização não governamental que tem a missão de “acolher, inspirar e incluir crianças, adolescentes, jovens e suas comunidades, por meio de oportunidades artísticas, esportivas e humanas transformadoras.”. Desde sua fundação em 1997, no município de Mogi Mirim, a instituição é pioneira em sua utilização da arte-educação como ferramenta de transformação social e desenvolvimento de competências humanas, sociais, artísticas e educacionais.
Com o reconhecimento e consolidação do Instituto, o ICA concretizou sua sede principal na região central da cidade em 2014 e atualmente visa potencializar o acesso da população da região, multiplicando sua metodologia através de uma série de iniciativas envolvendo lideranças e equipamentos locais. Dentre essas iniciativas mais recentes, a construção de uma nova sede para acolher os jovens da zona leste do município mostrou-se como uma prioridade, tendo como principal objetivo atender essa região, carente de recursos financeiros e ações sociais, de forma mais próxima e eficaz.
Processo colaborativo
Como construir um espaço que estimule e promova a educação pela arte para crianças e adolescentes? Como criar artifícios para que os educandos sejam acolhidos e inspirados pelo ambiente construído? Como criar uma noção de pertencimento e memória entre os educandos? Desde o início colocou-se de forma clara que o programa e o projeto não deveriam ser concebidos de forma unilateral. Para que o edifício se tornasse uma intervenção eficaz, além das características técnicas e funcionais deveriam ser contemplados os aspectos sensoriais e as necessidades específicas dos usuários de forma que o espaço em si se colocasse como ferramenta de transformação pela educação – a ideia de que “o espaço educa”. Para que isso fosse possível, a estrutura organizacional do ICA foi utilizada ao longo de todo o processo para envolver a comunidade local, as lideranças do bairro e, principalmente, os jovens a serem atendidos pelo instituto em um processo colaborativo envolvendo pesquisas, atividades artísticas e encontros, criando uma base de dados palpável contendo os sonhos, anseios e premissas dos indivíduos que irão usufruir desse espaço. Desta forma, materializou-se um projeto construído a muitas mãos, reforçando a ideia de pertencimento em que os jovens são protagonistas das mudanças sociais em sua comunidade.
Lugar
Situada em uma região carente de equipamentos e espaços públicos referenciais, a nova sede inaugurará um novo marco para o desenvolvimento territorial e social da região.
O lote cedido pela prefeitura está localizado entre grandes glebas subocupadas e um bairro já consolidado com predominância de pequenas residências e comércios. Em seu entorno imediato, relaciona-se diretamente com três equipamentos urbanos que terão seus usos potencializados com a chegada do novo edifício: a oeste, o NIAS (centro esportivo), a leste, a EMEB Alfredo Bergamo – CAIC (escola municipal) e ao sul, a Praça Comandante José Antônio Moreno. Os dois primeiros abrigam usos convergentes com a área de atuação do ICA e grande parte dos jovens que utilizam desses equipamentos serão atendidos pela instituição. A praça, além de um espaço que atende diariamente a todos os habitantes da região, foi tratada como uma extensão do edifício e seus usos. Será adotada e revitalizada pelo ICA para que possa melhor atender os moradores e ser utilizada para ações cotidianas de convívio social, esporte, lazer e cultura.
Nesse sentido, a abordagem para os conceitos iniciais foi a ideia da fundação não só de um edifício, mas de um lugar que fosse além do objeto icônico isolado, um elemento urbano de referência que promovesse o encontro e o convívio, irradiando seus usos para além dos limites de seu lote e ativando os equipamentos do território.
Conceito
As questões relativas ao entorno e à configuração do lote se colocaram como os primeiros desafios na concepção do projeto. Com limites físicos de formato atípico, o terreno conta com uma topografia complexa que se desenvolve em um talude de 9 metros de altura em cerca de 60% da área do lote. A vista, privilegiada, permite a observação de boa parte da cidade, promovendo uma conexão visual com a sede do ICA na região central.
Estes aspectos físicos nortearam as diretrizes de ocupação que configuram um edifício que se resolve em 2 pavimentos e busca privilegiar as conexões visuais com a cidade e a conexão física com a praça, através de uma implantação permeável e integrada com a paisagem. Não menos relevantes, os aspectos abstratos levantados durante o processo colaborativo somados à compreensão dos valores da instituição formaram as condições absolutas para criação de um espaço que edificasse estes princípios, estimulando a dignidade, a criatividade, a coletividade e, ao mesmo tempo, a individualidade de cada educando.
Estas ideias foram concretizadas através de um partido que busca em sua essência valorizar e potencializar os espaços vazios, que foram tratados com a mesma importância que o programa previamente estipulado, frio na sua essência, mas complementado pelos usos imprevistos e pela infinidade de possibilidades que esta condição possibilita. Assim, a beleza da edificação reside não somente na sua estética, mas principalmente na apropriação do vazio nos interstícios da edificação e na praça, nos usos espontâneos e imprevistos, suportados e conectados pelos usos pedagógicos e educacionais.
Partido e programa
O projeto nasce a partir da assimilação do sentido figurado da palavra coração: a parte mais interior de algo, centro de sensibilidade, afeição e amor, conceito que se materializa através de um generoso pátio central, palco do evento extraordinário, do encontro e do convívio social.
Os vazios foram vislumbrados como o coração do projeto, cerne de tudo que é mais valioso e, ao mesmo tempo, elemento articulador de usos específicos. Propõe-se um edifício sem corredores ou circulação rígida, onde os jovens podem circular livremente pelos vazios da maneira que julguem mais conveniente para atingir um destino.
Isso se fez possível pela pulverização de volumes programáticos sob uma grande cobertura que contém e potencializa os espaços situados no “entre” das edificações, possibilitando usos além do propósito de circulação e fazendo deles lugares de estar em que imperam a subjetividade e a espontaneidade. A forma arredondada dos blocos independentes proporciona, nos interiores, uma quebra da hierarquia organizacional da sala de aula tradicional e, simultaneamente, uma maior fluidez aos espaços externos ao redor destes volumes. Deste modo, o programa de necessidades definido pela equipe do ICA foi somado aos desejos da comunidade e a conceitos imateriais, integrando um único edifício de presença singular no território.
Os espaços de usos determinados, organizam-se em 4 grupos: administrativo, pedagógico, recreativo e serviços. Os recintos pedagógicos representam a essência do programa, abrangendo salas para música, dança, circo, midiateca e uma sala multiuso. Este último abriga aulas de teatro no dia a dia, mas conta com uma organização flexível, estrutura de apoio e acessos independentes, permitindo uma autonomia de uso independente do funcionamento do instituto e podendo ser utilizado pela comunidade local para eventos específicos. Os demais usos são complementares e dentre eles destacam-se um refeitório e uma capela, espaço introspecção que visa estimular hábitos espirituais entre os educandos, independente da religião.
Além do acesso específico da sala multiuso, o edifício conta com um acesso principal para pedestres no nível superior e um secundário no inferior. Associado à entrada principal, encontram-se os armários individuais para cada educando, inciativa sutil, mas fundamental para a valorização da individualidade de cada jovem que, em muitos casos, não possui um espaço particular em sua própria casa. Já o acesso dos veículos ao estacionamento se dá pela parte mais alta do lote, associado a um bolsão de embarque e desembarque paralelo à rua.
O talude preexistente no terreno permanece como um elemento programático no espaço na forma de uma grande arquibancada, que pode ser ocupada livremente no cotidiano e comportar uma plateia nas apresentações artísticas esporádicas. Além disso, cumpre a função de vencer a diferença de nível entre os pavimentos de diversas maneiras, seja pela escada principal, por escorregadores ou por uma parede de escalada, configurando um elemento memorável que reforça a condição lúdica de uma edificação voltada essencialmente à infância e adolescência.
Por fim, a acessibilidade universal foi um critério obrigatório na concepção de cada espaço projetado. Uma grande rampa se desenvolve ao fundo do terreno, sendo não somente uma rota acessível para circulação entre os pavimentos, mas parte integrante do conjunto, não descolada da estética do edifício e idealizada para servir a todos os educandos como uma alternativa de percurso singular. Dessa forma o edifício, em sua conformação, se coloca como exemplo na inclusão e respeito às particularidades e necessidades de cada indivíduo, valorizando os princípios humanistas e a autoestima entre os jovens atendidos.
Execução e desempenho
Os materiais e técnicas empregados para edificar todas essas ideias não poderiam estar dissociados da essência do projeto e os princípios da instituição. A obra, portanto, além de eficiente e economicamente viável deveria também ter um caráter educativo, lúdico e de pregnância na memória de seus usuários.
Para atingir tal resultado, optou-se pela utilização de um sistema integrado de estrutura e vedação em tijolos de solo-cimento compactado, em que a terra do local é utilizada como matéria prima para a construção, reforçando assim uma noção de pertencimento: ergue-se o edifício a partir do solo do lugar em que ele se situa. Além disso, este sistema se mostrou pertinente em diversos outros aspectos, apresentando um menor impacto ambiental, bom isolamento térmico e acústico, baixa manutenção, racionalização da construção e viabilidade financeira. Associados às paredes que compartimentam os espaços, foram adicionados planos vazados que atuam como filtros de luz na fachada oeste, garantindo uma maior eficiência no controle da temperatura e da iluminação natural dos ambientes internos, diminuindo a dependência do ar condicionado e mantendo a permeabilidade visual.
Já a cobertura que envolve a totalidade da edificação foi concebida a partir de um sistema estrutural em estrutura metálica em que treliças planas vencem os grandes vãos com poucos pilares interferindo nos espaços, formando um conjunto de aberturas zenitais em sheds orientados para o sul. Esta conformação permite que o ar quente seja expelido em dias quentes e a luz natural entre, de maneira indireta, nos pátios cobertos.
Além desses artifícios, foram previstos outros sistemas e tecnologias sustentáveis visando um melhor desempenho: painéis fotovoltaicos para geração de energia e o reaproveitamento das águas pluviais proporcionam uma maior ecoeficiência e autossuficiência da edificação e minimizam os custos operacionais da nova sede.
Praça
A proposta para requalificação da Praça Comandante José Antônio Moreno foi abordada de forma totalmente conjunta ao projeto do edifício. Desde o inicio mostrou-se evidente que este espaço público deveria integrar, associado à nova sede, um novo complexo de referência no território que desse suporte aos usos cotidianos e potencializasse as conexões entre os moradores, visando um maior desenvolvimento e emancipação da população local. Tendo isso em vista, foram propostas uma série de ações para readequação da estrutura existente, além de uma série de novos usos, idealizados para promover o convívio social através do esporte, lazer e cultura.
Na conexão com o edifício foi proposta a implantação de uma lombofaixa, para garantir uma maior segurança na travessia dos jovens até a praça. Já na porção norte, foi implantado um novo parquinho com equipamentos recreativos voltados para o público infantil. O espaço das quadras foi adaptado: preservou-se uma quadra poliesportiva e, onde havia uma quadra de areia, propôs-se um espaço taekwondo. Acima desses dois espaços, implantou-se uma nova cobertura em forma de pavilhão, que visa melhor abrigar os usos esportivos no dia a dia assim como possibilitar acontecimentos e apropriações de outro caráter, como uma feira comunitária ou um evento promovido pelas lideranças locais.
Na área mais arborizada, localizada mais ao centro da praça, foi sugerido um espaço de permanência para descanso e piquenique. Além disso, novos eixos de circulação e uma praça seca central foram propostos, visando fortalecer as conexões entre os diversos usos assim como o cruzamento de quadra pelos pedestres.
Já na porção sudoeste, onde há um grande platô, encontram-se os usos mais singulares e inusitados, decorrências diretas das ideias levantadas durante o processo participativo junto aos moradores. Um palco coberto para eventos de cunho popular e apresentações artísticas e uma praça molhada, que traz a água como elemento programático interativo, oferecendo uma alternativa de lazer nos dias quentes e secos, recorrentes em Mogi Mirim durante todo o ano. A pista de skate existente foi mantida e será restaurada para que seu uso possa ser fortificado.
Para que fosse possível o uso noturno com visibilidade adequada e segurança, tornou-se necessária a instalação de novos postes de luz e balizadores distribuídos de forma regular ao longo de todo o perímetro e principais trajetos. Além disso, três quiosques com usos comerciais e sanitários foram locados em pontos estratégicos do projeto, iniciativa que visa promover tanto uma apropriação pelos comerciantes locais, quanto uma autovigilância do espaço pelos próprios usuários.
Para o paisagismo, a principal premissa era a baixa manutenção, possível a partir da especificação de espécies nativas adequadas à especificidade de cada uso. Foi proposta a total preservação da vegetação preexistente, descartando a retirada de qualquer árvore e propondo o plantio de hortaliças e frutíferas junto à área de piquenique assim como novos exemplares arbóreos nas áreas menos sombreadas.